A época atualmente vivida pelo mundo pode apropriadamente ser chamada de aceleração contemporânea. Ela permite pensar que se suprimem distâncias e intervalos e que as idéias de duração e seqüência estão substituídas pelas de instante e efemeridade.
Há quem veja nesse aumento exponencial de todos os ritmos uma conseqüência apenas do progresso técnico. A verdade, porém, é que a causa dessa mudança brutal na percepção do tempo e do espaço não está na possibilidade teórica e prática de tornar efetivas velocidades até agora insuspeitadas, mas se encontra nas forças econômicas que, em seu exclusivo benefício, impõem um relógio à humanidade como um todo. Isso é obtido através do domínio inconteste do dinheiro e com a ajuda de uma informação enviezada, que justifica e alimenta as novas modalidades de dominação.
Por isso, a aceleração contemporânea não apenas aumenta a desigualdade entre países, povos e pessoas, como leva a uma confusão dos espíritos, uma espécie de atordoamento dos sentidos. A época se apresenta como algo de amedrontar e ao mesmo tempo como uma fatalidade insondável, levando muitos à conformidade e outros ao desespero, enquanto outros tantos buscam ardentemente compreender o mundo em que vivemos para melhor se situar em face do presente e do futuro.
É um tempo de paradoxos, isto é, de contradições em estado puro, todavia hoje perceptíveis porque a própria vida acaba por ensinar o que é ideologia e o que não é, na produção da história. A tomada de consciência é uma questão de tempo. A grande causa dessa mutação filosófica está na forma como nos inserimos no mundo do trabalho e como podemos avaliar os resultados.
E o Brasil?
Os nossos quinhentos anos são iguais aos de outros países, porque a aventura iniciada em 1500 marca a primeira grande abertura jamais conhecida em todos os tempos pela história. É a primeira vez que um continente conhece tal combinação de novidades, a começar pela mistura de povos de origens diferentes, chegados a uma nova terra para exercer de forma pioneira atividades inéditas. O norte buscado, pelas contingências mesmas da aventura, será constituído pelo amálgama de europeísmo, cristianismo e internacionalismos, todos mais ou menos falsificados.
Esse Brasil europeu já surge disposto a olhar para os outros e esta será uma das marcas (profundas) de sua trajetória nestes cinco séculos. pode-se pensar que, desse modo, aqui se constitui uma sociedade embriagada pela idéia fixa de a todo custo imitar a modernidade alheia. Mas tal sociedade misturada - pela fermentação clandestina de sua maioria - é também capaz de ir constituindo, dentro de casa, o que será o seu corpo e a sua alma, no espelho da terra. E este será, afinal, sua âncora definitiva.
Abertura sem limites e construção autêntica de um povo são as duas pontas do eterno dilema brasileiro. A primeira interessa sobretudo aos senhores da terra e dos homens, enquanto a segunda constitui, para o grosso da população, o fundamento de sua identidade. Aliás, o trabalho de todos tem essas duas caras. E, como o trabalho hegemônico é comandado por lógicas excêntricas, as manifestações de fidelidade à terra surgem e se desenvolvem como resistência e a cultura é a sua linguagem, cuja força, aliás, apenas se tem revelado plenamente nos últimos anos.
Esse pode ser um tema para reflexão, quando se comemoram cinco séculos de Brasil, levando a uma reavaliação das perspectivas trazidas com o que podemos chamar de aceleração brasileira. Esta, felizmente, não é só o que parece, isto é, a submissão aos ditames da modernidade à moda internacional, porque também constitui a vontade de criar, aqui mesmo, uma modernidade brasileira, com a prevalência dos valores culturais da maioria da população. (Milton Santos - baiano - era professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP, autor de A Natureza do Espaço, Por Uma Outra Globalização, entre outros. Transcrevemos aqui, o seu artigo publicado na Caros Amigos, ano IV - número 37 - abril de 2000).
Wadson calasans - 18/03/2009
quarta-feira, 18 de março de 2009
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