terça-feira, 9 de junho de 2009

Um encontro

Num dia normal e rotineiro de estudos, à noite, depois de cumprir as devidas obrigações, fui com alguns colegas comer algo, numa espécie de ‘’Barraca-Restaurante’’. Como o próprio nome sugere, neste tipo de ‘’barraca’’ de tudo sai. Em Santo Antônio de Jesus (interior da Bahia), os donos desses tipos de barracas costumam colocar cadeiras e mesas nas calçadas, para que se coma confortavelmente, para que o indivíduo tenha a sensação de estar num restaurante, enfim, é isso também.
Comendo e conversando com os colegas sobre assuntos diversos do campo da história, de repente, surge um adolescente. Ficou um bom tempo observando a nossa conversa, bem próximo à nossa mesa. Comecei a observá-lo também, mas por pouco tempo. Contudo, foi tempo suficiente para notar a sua aparência. Seus olhos eram bem fundos, e no rosto chupado e pequeno havia expressões de curiosidades e perguntas a cada movimento da conversa dos colegas. Era alto. Mais ou menos 1, 80 m. Era negro e tinha os ombros largos, as pernas eram altas e finas, cobertas por uma calça ‘’jeans’’ desgastada; a sua camisa, em trapos.
- Vocês são de que área? – perguntou o adolescente, ainda meio tímido.
- Da área de História – respondi.
- Eu pesquiso sobre Ufologia – falou-me caminhando na minha direção. E num olhar surpreso e atraído argumentei:
- Que legal! O que mais você pesquisa? Ele parou e pensou um tempo, como quem tenta lembrar de algo esquecido.
- Ah... Pesquiso também sobre plantas medicinais utilizadas pelos índios, plantas que nem mesmo os médicos conhecem; hum... E também sobre astronomia. Fiquei absolutamente intrigado. Mais ainda depois que começou a descrever, coerentemente, do que se ocupava a Ufologia, a astronomia e de que plantas precisamente se referia e onde encontrá-las.
- De que lugar você é? Qual a sua idade? Você estuda aqui mesmo em Santo Antônio? – indaguei.
- Eu sou de Minas Gerais, do interior. Eu tenho dezesseis anos. Ah, eu estudo aqui em Santo Antônio, estou na sétima série. Estou aqui faz quatro meses, não conheço muita gente – respondeu, enquanto apresentava um olhar cansado e ao mesmo tempo esperançoso.
- Você mora com seus pais? – fiz novamente uma pergunta a ele, agora com um ar de investigador. Ele parou, olhou bem nos meus olhos, e então respondeu, agora com um olhar triste, que imediatamente após a resposta voltou-se para o chão.
- Moro sim. O meu pai tem muitos problemas, o principal é a esquizofrenia. A minha mãe faz todo tipo de trabalho, só que como a gente não come bem, ela ta magrinha coitada, ainda dá peito para os pequenos. São seis irmãos, e eu sou o mais velho; tem menino de dois anos. Naquele momento fiquei em silêncio, como quem espera para ver se o outro tem mais alguma coisa a dizer.
- Meu pai não consegue se aposentar. Não consegue porque como toma remédio, a doença pára de se manifestar, daí as pessoas acham que ele está enganando. Mas ele não está enganando, o que ele tem é ética, sabe, ele não finge ser um louco, sem consciência das coisas, entende? - argumentou com um tom de indignação.
- Você fala muito bem, é muito inteligente, sabia? – afirmei com alegria. Alguns colegas notaram as falas daquele garoto. Eles ficaram, como eu, impressionados, mas continuaram conversando entre eles. Eu quis saber mais. Ficamos um bom tempo à margem da mesa, por assim dizer.
- Eu tenho muitos projetos, sabe, mas não tenho dinheiro para bancar, sou pobre. Já fiz uma vez um projeto de extração de pedras preciosas lá de Minas, fiz com base no mapa; tenho trinta e cinco arquivos lá em casa sobre ufologia. Perdi muita coisa. Vou sair daqui de Santo Antônio logo, estou indo para Salvador, a minha família vai tentar conseguir um barraco por lá, porque a igreja que nos ajudou só pôde pagar o nosso aluguel de 250 reais até o quarto mês aqui em Santo Antônio – argumentou como quem desabafa.
- Vou dar meu telefone para você, o que eu puder fazer para ajudar... Posso apresentar você para algumas pessoas do Movimento dos sem-teto, eles podem abrigar você e sua família lá nas ocupações até vocês conseguirem um lugar mais adequado. Não posso ajudar você com dinheiro, mas posso colocar você em contato com pessoas que não são hostis, entende? Ele me olhou um tempo, deu um sorriso caloroso e disse:
- Eu quero seu número sim, não só por isso, mas pelo início de uma boa amizade – afirmou com convicção. Depois disso eu perguntei para ele se estava com fome, e ao escutar que sim, recolhi dos colegas (seis pessoas! Incluindo-me no total!) uma nota de 2 reais de cada um e em seguida coloquei em suas mãos. Ele disse:
- Não precisa disso tudo. Não vai lhe fazer falta? A comida não é tão cara – falou com pureza.
- Não precisa se preocupar – afirmei rapidamente. Ele comeu do meu lado enquanto eu continuava a conversar com os colegas. Atento à conversa, sempre participava. Prestou bastante atenção enquanto eu falava para os meus colegas sobre o Movimento dos sem-teto de salvador e da boa energia que as pessoas transmitiam para mim quando construía diversas atividades com elas, enfim, quando vivenciava o cotidiano das ocupações.
- Vou indo! Foi um grande prazer te conhecer! Convidaria você para conhecer a minha casa. Geralmente não convido ninguém. Vivo muito na rua. Lavo carros, carrego compras, peço dinheiro etc. Daí você acaba conhecendo muita gente, mas também fica muito visado. Mas em você eu sinto que posso confiar. Mas sei que você já tem que ir, tem que estudar – concluiu a fala rindo.
- Não vou esquecer você! Pode ter certeza! O prazer foi todo meu – falei satisfeito. Conversamos muito, mas só depois me dei conta que ele não havia falado o seu nome. E partindo, ele disse:
- Mais importante do que você ter me dado o dinheiro para eu comer foi eu ter ganhado a sua amizade. Um abraço – falou andando de costas, olhando para mim, com um belo sorriso no rosto.

Wadson Calasans - 09/06/2009