terça-feira, 27 de agosto de 2013


Viva ao Estado Democrático de Direito à Hipocrisia!

Eu estava hoje assistindo à votação de uma matéria no Senado brasileiro. Mais uma matéria, entre várias que costumeiramente são votadas. De repente, a discussão, que deveria ser sobre a matéria específica em pauta, descambou para a questão da entrada, irregular, do senador boliviano Roger Pinto Molina no Brasil. O senador boliviano estava sendo processado, na Bolívia, por diversos tipos de corrupção. Foi condenado, na primeira instância, em um dos crimes pelos quais estava sendo acusado.

O senador boliviano pediu asilo político ao Brasil, alegando perseguição política pelo fato de fazer oposição ao governo do então presidente Evo Morales. O Brasil concedeu. O encarregado de negócios do Brasil em La Paz, Eduardo Saboia, estava negociando a situação. O senador boliviano estava na embaixada brasileira havia mais de 400 dias. Ele esperava pelo salvo-conduto de Evo para deixar o país. Ocorre que Evo Morales não havia dado o aguardado salvo-conduto. O que é absolutamente normal, afinal de contas o Estado boliviano goza de soberania para decidir o destino de um político boliviano corrupto.

Acontece que Roger Pinto Molina alegou que estava com problemas de saúde, estava com depressão e que iria cometer o suicídio. O embaixador brasileiro, Eduardo Saboia, decidiu então, numa manobra arriscada, trazer para o Brasil o então senador boliviano. Segundo Saboia, como a situação estava insustentável do ponto de vista humanitário, e pelo fato de o governo brasileiro não ter pressionado o governo boliviano para este conceder o salvo-conduto, não havia outra coisa senão trazer o político para o Brasil, para evitar que o mesmo se matasse.

Bom, o fato é que Saboia o trouxe sem o consentimento do Ministério das Relações Exteriores, o que ocasionou uma grave quebra de hierarquia, já que qualquer tomada de decisão desta natureza precisa ter uma orientação institucional. Não foi Saboia quem estava agindo, mas sim o Estado brasileiro. Se durante a fuga do embaixador brasileiro com o político boliviano viesse a acontecer qualquer situação de risco de morte, quem teria que assumir seria o Estado brasileiro, e não a família de Saboia.

Então, eu vi e escutei, na transmissão da TV Senado, algumas falas de alguns senadores do PSDB que me fizeram cair, a um só tempo, em risos e indignações. Em todas as últimas campanhas presidenciais que o PSDB disputou , a Bolívia, país vizinho, foi caracterizada como sendo um caldeirão produtor de traficantes de coca. Inúmeras vezes o presidente Evo foi comparado com traficantes internacionais; foi insultado, inferiorizado por ser índio; o país foi tratado como nação sem respeito. Assim também foi com a Venezuela.

Agora, estes mesmos sujeitos do PSDB, apareceram  defendendo o senador boliviano com o maior zelo. Lembrem-se que o senador boliviano em questão não coincidentemente faz oposição ao presidente Evo Morales. Um deles disse: ‘’Isto é uma causa humanitária, o senador boliviano Roger Molina estava confinado numa sala de 20 metros quadrados [...] Eduardo Saboia é um herói... Se fosse esperar pela decisão do governo, o nosso senador boliviano já estaria morto’’! Outro senador emendou:’’ Se fosse um senador nosso, jamais pediria asilo político à Bolívia, que é um país sem respeito... Pediria asilo político à França, Canadá, Estados Unidos, estes sim, são de respeito’’! Daí eu fiquei pensando: mas como incomoda à elite brasileira, a Bolívia, depois de séculos, ter um presidente índio, num território que cerca de mais de 70% da população é indígena!

Quanto preconceito com os países vizinhos; quanto preconceito com as nações emergentes do continente africano; até onde vai isso? Num caso diplomático, de quebra de hierarquia da parte de Saboia, mesmo tendo praticado um ato corajoso, atravessar de carro a fronteira, correndo o risco de se deparar com o exército boliviano, num caso tão delicado como este, escutei falas de parlamentares que nunca deram a mínima para a Bolívia, bem como para os bolivianos, defendendo justamente um boliviano apenas para atacar o governo brasileiro! E se Saboia e o senador boliviano tivessem morrido na fronteira, de quem seria a culpa? Do Estado brasileiro é óbvio! E tenho certeza que estes mesmos sujeitos subiriam na tribuna do senado para afirmar a incompetência do governo, o qual teria deixado um embaixador brasileiro morrer pelas balas de um governo ditador, que seria o da Bolívia. Mas eles esqueceram que Evo Morales, indígena, fato este que incomoda também a elite local da Bolívia, que governou o país por séculos, foi eleito democraticamente. 

Wadson Calasans - 27/08/2013