terça-feira, 13 de abril de 2010

Goya (1814)

Incongruência Cultural

Caros leitores e leitoras, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia deu 359 mil reais para Daniela Mercury e Carlinhos Brown. Utilizou, para isso, a seguinte justificativa:

“A Secretaria de Cultura informa que os recursos para o pagamento das atrações artísticas do Congresso da ONU serão repassados pelo Governo do Estado. O show de Carlinhos Brown, apresentado ontem no Museu do Ritmo, contou com a participação do Balé Folclórico da Bahia, Banda Didá, Zambiapunga e diversos grupos de Cultura Popular, sendo a participação do artista uma solicitação do Comitê organizador do Congresso, por sua trajetória de ativismo social. A curadoria artística, a cargo da SecultBA, foi aprovada pelo comitê da Organização. Nos valores citados pela nota estão incluídos além do cachê dos artistas, bandas e convidados especiais, o cenário e toda a produção dos shows, pagamento de direitos autorais, direção artística, dentre outros itens. Daniela Mercury é um marco na música baiana e foi embaixadora da Unicef por 11 anos, e vai realizar o show com jovens do Neojiba, programa prioritário para a Secretaria e escolhido como um dos principais projetos do Governo que contribuem com a cidadania. Além dos shows, a Secretaria também foi curadora das exposições do Congresso que incluem artistas como Mário Cravo Neto, Pierre Verger, Zau Pimentel, além de uma instalação sobre Socorro Nobre, ex-presidiária que, comovida pela obra do artista plástico Frans Kracjberg, resolveu escrever-lhe cartas da prisão, sendo tema de documentário de Walter Salles, em 1995; e outra instalação sobre os Pontos de Cultura considerados projetos importantes para o desenvolvimento a partir da Cultura. Esses Congressos acontecem a cada cinco anos em diferentes países, cabe ao país cede oferecer uma programação cultural que oportunize aos participantes entrar em contato com a cultura local desses países”.


Gostaria de começar afirmando que a retórica da ''nota oficial'' é antiga. Ela é apenas um cumprimento ético-político, já que o Estado tem a obrigação histórica de prestar contas para o contribuinte (aquele que dão o apelido de cidadão). Assim, as justificativas dadas para tais gastos permanecem obscuras, já que não temos acesso à toda movimentação real, isto é, não fazemos (os cidadãos) as discriminações dos valores que são elencados para os gastos que serão realizados.

Portanto, ainda que sejam divulgados nos meios oficiais, podem ser habilmente manipulados (para mais, ou para menos); e isto qualquer indivíduo que se encontra na mais tenra infância sabe. Ademais, justificar o gasto utilizando o argumento das trajetórias desses famosos - porque há uma diferença, em nossa opinião, entre artistas e famosos, são conceitos completamente diferentes, e geram muitas controvérsias -, não é o critério mais adequado.

Muitos grupos musicais existentes no Estado, que são desconhecidos do grande público porque não caíram nas graças dos produtores e distribuidores hegemônicos, teriam todas as condições necessárias para representar bem a cultura local. Daniela e Brown, justamente por já terem suas carreiras consolidadas, sob diversos aspectos, e nem precisa mencionar o aspecto material, não deveriam aceitar tal oferta, ainda que fossem os famosos mais adequados para o evento da ONU.

Nesse passo, o dinheiro que foi liberado para eles deveria servir também como política de transferência de renda para os agentes anônimos que fazem arte e cultura tão importantes - talvez seja até mais importante - quanto a que eles, Daniela e Brown, fazem. Eles não precisam mais aparecer em eventos importantes para o grande público tomar nota da sua suposta arte; quem precisa são os novos atores, os novos personagens culturais, enfim, os novos agentes.

Uma política cultural comprometida realmente com tal fato, deve promover, entre outras coisas, a mudança desse modelo cultural que justifica a aparição das mesmas pessoas assentado numa estrutura ‘’fâmica-midiática-industrial’’ anacrônica. As estruturas do ”clientelismo” cultural tem de acabar.

Ficaria feliz se visse um grupo musical desconhecido das estruturas de informação e comunicação hegemônicas, mas conhecido na comunidade baiana pelas mesmas práticas sociais pelas quais Daniela e Brown ficaram conhecidos, tocando no evento da ONU. Isso sim daria oportunidade, para o grande público, de ter o contato com a nova cultura que borbulha na Bahia; isso sim seria uma nova política cultural impulsionada e defendida pelo Estado.
Wadson Calasans - 13/04/2010