sábado, 23 de maio de 2009

Mudar, dentro do socialismo

É o REGIME socialista que permite a Cuba ser o único país no mundo em que não há pessoas abandonadas, sem direitos, sem amparo, sem apoio. Em que não há crianças dormindo nas ruas. O único país em que toda a população possui pelo menos nove anos de escolaridade. O primeiro país no mundo que pôde se declarar ''território livre do analfabetismo'', que ajudou a Venezuela na mesma conquista e agora o faz com a Bolívia.


Em que toda a população pode gozar gratuitamente dos serviços da melhor saúde pública do mundo. Cuba tem mais médicos trabalhando gratuitamente em países pobres do que toda a Organização Mundial da Saúde, materializando um dos lemas da revolução cubana: ''A pátria é a humanidade'' (José Martí).


E tudo isso apesar de ser um país sem recursos naturais valorizados no mercado internacional, submetido por séculos a uma economia primário-exportadora, centrada na monocultura do açucar, pela divisão do trabalho imposta primeiro pelos colonizadores, depois pelos imperialistas. Essas conquistas, que tornam Cuba o país menos desigual - e, assim, o mais justo - do mundo, são possíveis pelo caráter socialista de sua sociedade. Uma orientação contraposta às economias de mercado - que produzem conforme a demanda, conforme o poder aquisitivo, via de regra desigual, dos consumidores e das empresas -, em que as necessidades da população comandam a produção.


Cuba não deve mudar de regime porque é o socialismo que lhe possibilita essas conquistas que permitiram que o país enfrentasse a dura crise da desaparição da URSS e esteja agora no caminho da retomada da consolidação do seu desenvolvimento.


Mas Cuba pode mudar aspectos da sua política. Se terminar o bloqueio levado a cabo há mais de 40 anos pelos EUA - a maior potência imperial da história, que cerca de todas as formas a pequena ilha situada a apenas 140Km de seus limites territoriais. Em 47 anos, aconteceram centenas de tentativas de assassinato de Fidel Castro, um intento aberto de invasão, uma busca de cerco naval, ataques de inoculação de vírus em plantações, incêndios em canaviais e outras regiões do país, transmissões ininterruptas de rádio e televisão de canais sediados nos EUA, vôos sistemáticos com aviões supersônicos para fotografar e tentar controlar os movimentos no país - foram algumas das tantas ações de agressão contra Cuba.


O sistema político cubano foi forjado no marco desse cerco criminoso, de mais de quatro décadas, fazendo com que a revolução cubana se desenvolvesse como uma fortaleza assediada pelas agressões do poderoso vizinho do norte. A unificação dos três grupos que protagonizaram a revolução em um partido único surgiu como forma de somar forças, de construir um marco de alianças que dificultasse que os conflitos internos pudessem servir de flanco para a ação inimiga.


Quem se preocupa com soluções para a crise entre EUA e Cuba e suas conseqüências dentro da ilha deveria olhar para Washington, e não para Havana. O governo cubano não coloca nenhuma condição. Não exige sequer a retirada da base de Guantánamo - que há mais de um século os EUA mantêm na ilha, contra a vontade dos cubanos, agora fazendo dela um calabouço para presos políticos ilegais, submetidos a tratamentos selvagens - para a normalização das relações entre os dois países.


Enquanto isso, o governo dos EUA demanda que Cuba se converta em um sistema como o estadunidense para que a normalização das relações seja estabelecida. Exige mudanças justamente naquilo que diferenciou Cuba da República Dominicana ou do Haiti, países caribenhos que, ao ceder ao império vizinho, se encontram entre os mais pobres da região, sem nenhuma das conquistas da ilha.


Cuba pode e deve mudar, se terminar o bloqueio. O papel do Brasil deve ser intermediar para superar essa sobrevivência da Guerra Fria e permitir que ambos convivam de forma pacífica, cada um respeitando as decisões soberanas do outro, sem intervenções nem ameaças. E que o povo cubano, soberanamente, sem bloqueios, decida seu presente e seu futuro. (EMIR SADER, 63, é professor de sociologia da USP e de Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É autor de ''A Vingança da História'' (Boitempo), entre outras obras.)

Wadson Calasans - 24/05/2009