domingo, 10 de agosto de 2008

Por uma necessidade histórica

Gostaríamos de começar este texto fazendo a seguinte pergunta: quem tem coragem de sustentar uma necessidade histórica? Lançamos tal pergunta, com o intuito de retomarmos a velha e boa discussão sobre a arte e o artista em determinadas sociedades, em determinados modos de conceber a vida, a existência. Nesse sentido , nos reportemos à realidade da sociedade baiana.
Lemos, em um dado artigo publicado em A Tarde, que a lógica do mercado sufoca a produção artística; ora, de fato isto é algo real e, para sermos mais contundentes, perverso. Contudo, a discussão não pode e não deve girar em torno apenas desse elemento, apesar de este ser extremamente importante. A análise do cenário ''artístico-cultural'' baiano ( ou mesmo nacional) não pode estar condicionada a cortinas de fumaça desagregadas e confusas. Se o mercado sufoca a arte e igualmente os artistas, isto tem de ser tomado como ponto de chegada de um modo de vida, de existência , de organização social que já deram provas cabais de que essa forma de conceber o organismo coletivo não serve.
Os problemas relacionados à arte bem como os artistas têm de ser encarados da mesma forma com que se discute, por exemplo , a falta de moradia para a maioria da população baiana e também nacional; à falta de inserção nos ditos espaços democráticos de uma infinidade de segmentos sociais como por exemplo os loucos. Quem já pensou em democracia incluindo os loucos neste regime? Enfim , o que está em constante contradição não é apenas o mercado, mas também a sociedade política, a própria noção de Estado moderno (aliás isso não é novidade), o modo de conformismo social etc. Nesse passo, a arte e os artistas não passam de legítimos representantes das contradições gerais que assolam todo o organismo coletivo, os múltiplos e diversos níveis da vida social. A produção do que se chama de cultura (termo controverso ) é também produção material da vida cotidiana .
Ver a árvore – e isto é também importante - e não mais a floresta, o regulamento e não o plano estratégico , talvez não seja, pode-se afirmar, uma forma interessante de fiscalização ''cidadã'', pelo menos da parte dos que tiveram e têm a oportunidade de exercê-la. Volta e meia os grandes veículos de comunicação exibem os doutores, mestres, intelectuais , enfim - os que possuem o que a filósofa Marilena Chauí chamou de ''discurso competente '' -, conclamam todos esses a falarem e discutirem sobre um determinado tema de interesse público. Porém, no caso dos especialistas da Bahia (não todos, mas uma parte significativa), ou mesmo, insisto mais uma vez, nacionais, parecem não reconhecer, pelo menos criticamente, uma necessidade histórica .
Se por um lado o mercado impõe o seu ritmo mesquinho e tacanho à arte e igualmente aos artistas da Bahia, e tal mecanismo inviabiliza o desenvolvimento real da criatividade humana, por outro é perigosa a crença absoluta no Estado como sendo a panacéia de todas as mazelas sociais, e isto inclui a arte e os artistas . Com os critérios da vida social estando nas mãos de sociedades hegemônicas, e existindo propostas e discussões que visam apenas ao imediato, o Estado (a sociedade política), com esta sua forma atual de conceber o tecido social, passa e continuará passando longe de lograr êxito no ''campo de batalha'' chamado sociedade.
Desse modo , os pressupostos ideológicos do ''Estado mínimo '' não passam de noções pueris e de má fé. Tendo em vista que tudo passa e sempre passou pelas esferas da sociedade política, estabelecer um debate pautado em questões desprovidas de materialidade pode não ser o caminho mais adequado. Efetivamente , o Estado só desaparece quando lhe convém; mas quando é necessário assegurar os interesses hegemônicos o Estado surge como um verdadeiro Leviatã de Thomas Hobbes.
Reconhecer criticamente uma necessidade histórica é demonstrar , no caso específico do cenário artístico-cultural da Bahia, que os indivíduos subalternos, que elaboram e reelaboram a todo o tempo formas diversas de cultura sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e se apresentam como sujeitos históricos reais; é chamar a atenção para as concessões que, embora sejam necessárias, sempre foram frágeis do ponto de vista histórico, dão um gosto de vitória aparente , conservando assim o permanente estado de defesa dos segmentos sociais desprivilegiados.
Dito isto , não denunciar todo este modelo falido de gestão coletiva, cujos critérios são eivados de vícios, é não reconhecer , como já foi dito exaustivamente, uma necessidade histórica objetiva. Os números de distribuição dos produtos culturais são ambíguos , muito embora sejam essenciais para a construção de políticas mais democráticas. São ambíguos porque não expressam mudanças reais e são armas tanto das sociedades hegemônicas como das camadas subalternas.
Pensar num Estado intervencionista no âmbito cultural, isto é, um Estado responsável por todo o processo cultural e, ao mesmo tempo , termos um Estado com uma lógica mercantilista mesquinha no âmbito econômico é muito preocupante. Antes de mais, o artista é um ser humano e como tal precisa satisfazer as suas necessidades básicas e não só as necessidades artísticas ; antes de ser ''trabalhador da arte'', pois é assim que ele está inserido nesse modo de produzir a existência , ele é um ser humano como todos nós; sendo assim , a ascensão do artista tem de ser igualmente a ascensão de todos os indivíduos que sofrem as mesmas contradições que ele.
Não resolve e nem muda nada se melhorarmos somente o modo de vida do artista bem como os mecanismos distribuidores de cultura e arte. Uma sociedade que procura desenvolver-se culturalmente não pode continuar vítima das suas necessidades materiais. Acima de tudo, precisa de tempo livre para criar e usufruir da cultura . Não julgamos com estes apontamentos ter '' descoberto a roda''. Ao contrário , chamamos a atenção para realidades que estão expostas a todos. Só tem que consideramos o problema do artista, do criador, da arte etc, não somente como algo isolado e corporativo, mas como sendo produto de um modo de conceber a vida coletiva, a existência social.
Por fim, não temos a solução da questão – talvez fosse muito arrogante e pedante de nossa parte afirmarmos isso. Quisemos sim, talvez sem sucesso, criar provocações e reflexões sobre o tema. Esperamos ter contribuído para o avanço do debate. Sabemos que o tema é e continuará sendo alvo das mais animadas discussões .

Wadson Calasans
(11/02/2007)

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